Sobre os alérgicos e a qualidade do ar

Especial Qualidade do Ar Interior
Autor: Gustavo S Graudenz

É notório o avanço galopante das doenças alérgicas no Brasil e no mundo e seu conseqüente impacto nos sistemas de saúde em todos os países industrializados. Os alérgicos são indivíduos com um direcionamento de seu sistema imunológico para gerar uma forte resposta específica para alguns elementos biológicos. Essa resposta engloba a formação de anticorpos e uso de tipos celulares capazes de uma das mais fortes respostas imunológicas que se conhece, podendo inclusive ser fatal (como na anafilaxia). De uma forma muito simplificada podemos dizer que se trata de uma reação desmedida e perigosa do organismo de pessoas com uma predestinação genética para isso. Essa predestinação genética tem como característica a forma dominante de transmissão, independente do sexo. Na prática isso se traduz na possibilidade crescente de indivíduos alérgicos terem filhos igualmente alérgicos independente de serem meninos ou meninas. As manifestações clássicas desse tipo de alergia, chamada de atopia, são conhecidas pelos alergologistas como a santíssima trindade: a asma alérgica, a rinite alérgica e a dermatite atópica.
De forma relacionada qualidade do ar e a preocupação com os poluentes dos ambientes interiores hoje são cada vez mais presentes em nossa realidade. Em nosso país existem estudos demonstrando aumento do absenteísmo no trabalho, aumento no número de casos de problemas respiratórios, incluindo as alergias respiratórias e outras, em cerca de 30% dos usuários de ambientes climatizados, relacionadas à qualidade de nossos ambientes interiores. As leis e normas que versam sobre o tema da qualidade do ar em ambientes climatizadas começaram, então, a surgir; a portaria 3.523 em 1998, a NBR 7256, a Resolução Normativa RE 09 em 2003 e, devido ao crescente conhecimento na área, muitas passaram por revisões, caso da NBR 6401. Atualmente o tema faz parte das principais agendas sobre sustentabilidade. Por exemplo, dentre os pré-requisitos para uma certificação pelo sistema LEED (Leedership in Energy and Environmental Design), adotados pelos Green Building Councils, estão os critérios mínimos de qualidade do ar para assegurar a preservação da saúde e da qualidade de vida dos usuários de edificações sustentáveis.

Meio ambiente e manifestação das alergias

Outro fato que associa os dois assuntos é a importante influência do meio ambiente no aparecimento e manifestação das alergias. A alergia é uma doença classicamente relacionada com o modo de vida ocidentalizado das grandes cidades. Esse modo é notoriamente um tipo de vida entre paredes ou indoor, como especificado pela língua inglesa. Nos países desenvolvidos gasta-se mais de 90% do tempo em ambientes interiores. Essa característica faz com que os indivíduos fiquem mais tempo em contato com elementos mais comumente encontrados nos ambientes interiores. Quando esses elementos têm um efeito negativo na saúde chamamos de Poluição de Ambientes Interiores (PAI). Outra característica das sociedades desenvolvidas do ocidente é a ampla vacinação para doenças passíveis de prevenção, bem como o, não raro abusivo, uso de antibióticos. Essa ausência de desafios por bactérias e vírus deixaria o sistema imunológico desses indivíduos “ocioso” e capaz de fazer reações desmedidas frente a agentes agressores irrelevantes. Essa é a chamada teoria da higiene. Essa é a mais coerente e bem fundamentada teoria de como as doenças alérgicas aumentam assustadoramente no mundo e no Brasil. Os indivíduos atópicos (alérgicos) têm uma propensão de toda a mucosa respiratória (nome dado ao revestimento de seu sistema respiratório, que inclui olhos, nariz, traquéia, brônquios e alvéolos) a apresentar uma reação de defesa chamada de processo inflamatório ou simplesmente inflamação. Essa inflamação aumenta quando a mucosa entra em contato com um agente agressor como um ácaro ou um fungo. Durante muito tempo achou-se que o aparecimento desses sintomas freqüentemente encontrados nos funcionários de edifícios se dava exclusivamente devido à contaminação biológica dos sistemas climatizados. Entretanto pesquisas sistemáticas na busca de alérgenos (elementos causadores de alergia) caracterizaram o ambiente de escritório como pobre em alérgenos na maioria das pesquisas, incluindo em nosso meio. Então porque esses indivíduos são tão afetados nos ambientes climatizados?
Um olhar mais cuidadoso sobre a questão mostra o atópico como indivíduo mais sensível para vários agentes agressores além da exposição a ácaros ou fungos, entretanto a resposta a estes agentes ainda é desconhecida. A escassez de informações nessa área deve-se à dificuldade inerente de conhecimentos em saúde humana, aliadas aos conhecimentos técnicos vigentes sobre sistemas de climatização. Na prática a dificuldade se dá pelo pouco ou nenhum contato entre o pesquisador médico e o pesquisador da área de engenharia.

Estudos e experimentos

Em colaboração da Disciplina de Imunologia da Faculdade de Medicina da USP com o Departamento de Engenharia Mecânica da USP pude realizar uma série de experimentos no laboratório de conforto térmico da USP. De uma forma inédita em nosso meio, foi possível o médico pesquisador montar um projeto junto com o engenheiro pesquisador. Considero esses experimentos ousados e bastante esclarecedores.
O grupo de sujeitos de estudo foi composto por 33 voluntários divididos entre alérgicos e não alérgicos. Os dois grupos tinham a mesma divisão de idade e a mesma proporção entre homens e mulheres. Doenças que poderiam afetar a percepção da QAAI (Qualidade do Ar de Ambientes Interiores) e alterar as amostras biológicas foram excluídas.
No laboratório de conforto ambiental do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica, sob a coordenação do prof Arlindo Tribess, utilizamos ambientes controlados para submeter os voluntários com vestimenta padronizada a diferenças súbitas de temperatura na ordem de 12°C (de 14°C a 26°C). Os resultados mostraram uma percepção subjetiva da qualidade do ar, sendo que os alérgicos fizeram correlações do ar com sensações desagradáveis. Na coleta de material do nariz, mostrou-se uma inflamação da mucosa respiratória mais intensa e mais duradoura nos indivíduos atópicos comparados aos indivíduos sem alergia.
O estudo sugeriu que mesmo sem os tradicionais elementos causadores de alergia (alérgenos) as diferenças súbitas de temperatura causam um estrago significativo, principalmente entre os indivíduos com alergias respiratórias. As implicações práticas se dão no possível controle mais rigoroso dos bolsões de temperatura nos ambientes interiores, orientação de proteção adequada com roupas para a diminuição dos problemas de saúde advindos dessas situações.
Em última instância, todas as leis, todas as normas de boas práticas de engenharia e mesmo os caminhos da sustentabilidade buscam reduzir ou controlar o impacto negativo sobre a saúde decorrente da crescente permanência em ambientes interiores. Entretanto, os estudos sobre o impacto na saúde decorrente da Poluição dos Ambientes Interiores (PAI) revelam que os usuários têm perfis de resposta diferentes. Existem diferenças entre homens e mulheres, velhos, crianças e adultos. Mesmo diferentes doenças afetam na percepção da qualidade do ar ou são determinantes no aparecimento das doenças relacionadas às edificações. É um campo relativamente novo com muitas perguntas a serem respondidas, mas a emergência de grupos profissionais multi-profissionais bem qualificados são a tendência atual tanto na pesquisa quanto na oferta de serviços qualificados de melhor eficiência.

Gustavo Graudenz - Médico Alergologista em poluição de ambientes interiores pelo Departamento de - Patologia-FMUSP e Environmental Hygiene Services da Nalco- Brasil ehsbrasil@nalco.com

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